Crítica | O mal que nos habita

Por João Mendes

Título: O mal que nos habita (Cuando Acecha la Maldad)

Direção: Demián Rugna

Duração: 99 minutos

Data de lançamento no Brasil: 01 de fevereiro de 2024

Origem: Argentina. Estados Unidos da América.

Classificação: Não recomendado para menores de 16 anos

Gênero: Terror

Sinopse: “Em uma vila remota, dois irmãos encontram um homem possuído por demônios prestes a dar à luz ao mal encarnado. Eles decidem se livrar do sujeito, mas acabam apenas espalhando o caos.”


Mesmo cerceado pelas mudanças que ocorrem no passar do tempo, o horror jamais renuncia um dos seus temas mais recorrentes, a constante onipresença do mal. O caos se instala, o isolamento se alia à desesperança enquanto o lado de lá sempre parece ter mais forças do que a humanidade frágil e temperamental. Como nos mitos, o humano é um ser pequeno, peças num jogo ainda maior. E enquanto se foge da presa desconhecida e demoníaca, a fé não encontra forças para um enfrentamento verdadeiro. Seguindo o mesmo caminho traçado tantas vezes anteriormente, mas sem abrir mão da própria identidade, O Mal Que Nos Habita (2023), filme dirigido pelo argentino Damián Rugna, tece uma obra violenta, desoladora e de impacto visual inquestionável.

Logo em sua abertura, o espectador é lançado numa espécie vilarejo isolado. Quando dois irmãos encontram um corpo mutilado no mato, inicia-se uma investigação que termina na descoberta de um morador possuído por uma entidade maligna. A criatura, uma lenda conhecida pelos moradores, aguarda paciente e provocativa, dentro de um corpo purulento, a hora de vir ao mundo através das mãos de outros humanos. A partir daí, a atmosfera de paranoia é instalada e qualquer ato falho pode fazer o mal definitivo se estabelecer sobre a terra. Atacar o corpo que a entidade possui faz com que ela se liberte e se torne ainda mais agressiva. 

Seguindo essa premissa, através de comportamentos psicóticos de suas personagens, a trama encadeia uma série de eventos catastróficos a partir da desconfiança de não saber onde a entidade está, a limitação de seus poderes e quem será o próximo atacado.

Ao trabalhar as suas cenas sem a preocupação de um pudor gráfico, o longa desenvolve sequências de violência onde a tensão e o choque assumem o lugar do susto. No entanto, a maior força do filme também acaba por se tornar a sua maior fraqueza. Ao se interessar pelo choque em primeiro plano, esquece então de conectar as suas cenas e acaba por enfraquecer o enredo. A impressão é a de assistir uma coleção de bons curtas-metragens vinculados por um elo frágil e narrativamente pouco satisfatório.

Para o choque acontecer, é preciso mover personagens como se fossem peças de xadrez sem motivação. Ou seja, parece que tal personagem aparece em tal momento apenas em prol do efeito da cena. Desde sempre, muito se discute sobre as personagens de horror persistirem com atitudes incoerentes e aqui vemos alguns exemplos disso. Em determinados momentos, sem os “vacilos” das personagens, não há caminho para concretizar a trama. 

Enquanto avança, ao abandonar o clima inicial de uma cidade isolada e inóspita para tentar outros caminhos, o filme acaba se perdendo e esvaziando toda a tensão que havia estabelecido com menos estímulos. Além disso, na busca de criar um clima desnorteador, lança-se o espectador num mundo onde as personagens já conhecem as regras e já ouviram falar de outras possessões. No entanto, o mesmo artifício que instala a opressão, parece servir para que a narrativa trapaceie, inventando regras e resoluções somente quando lhe convém. 

Contudo, a coleção de boas ideias ainda proporciona uma experiência interessante de se acompanhar. O impacto visual efetivo e a atmosfera de incerteza são garantidos devido à criatividade do diretor, que já demonstrou ter boas ideias em sua obra anterior, Aterrorizados (2017). Os aspectos culturais e a maneira como a sociedade local lida com seus próprios demônios também trazem um frescor muito bem-vindo ao gênero, abrindo os holofotes para uma nova safra de autores de diferentes países. Porém, infelizmente, a desatenção ao desenvolvimento e a unidade total do filme criam uma obra instável e pouco segura em seu fechamento, embora ainda tenha força o bastante para deixar uma marca entre as produções cinematográficas de sua temporada.    

Texto de João Mendes.
@umjoaomendes

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Lorena Ribeiro

Lorena Ribeiro é soteropolitana, graduada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia e mestra em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia. Escritora, produz poesias, contos e literatura infantil. É idealizadora do projeto Passos entre Linhas, e com ele tem como foco a divulgação de autores da Bahia, principalmente autoras negras. É também idealizadora do projeto Lendo a Bahia (incluindo o clube de leitura de mesmo nome). Lorena tem publicado o livro infantil “O divertido glossário da Jana”, e faz parte de antologias de poesias e contos. Lançou em 2024 o seu primeiro livro artesanal de poesia: Amuleto.

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